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Conto: O caso do serial killer



 Toquei seu rosto com ternura. Minhas mãos deslizaram suavemente pela pele branca e macia como um pêssego maduro recém colhido. Os olhos fechados davam ao rosto cândido uma expressão angelical. Mas, ela estava morta, devia ter acontecido a poucos minutos. Aquele rosto tão sereno imprimiu em minha mente, como se fosse um ferro em brasa, as feições daquela jovem. Afinal, quem poderia ter feito aquilo com ela?

Segundo as opiniões iniciais dos legistas, a morte tinha sido rápida. Um corte profundo e amplo havia praticamente degolado a moça. A lâmina havia cortado vários vasos importantes e a inconsciência veio rápida seguida da morte. Além disso, tinha sido drogada. Os outros ferimentos, principalmente o maior deles, foram feitos em seus momentos finais de vida. Poderíamos dizer que no próprio limiar da morte.

Em seu peito, a enorme fenda por onde haviam retirado seu coração, causava espanto em todos que tinham acesso àquela cena dantesca. Ninguém podia encontrar um motivo para aquela selvageria. Mas, esta semana já era a quarta vítima. Todas com o mesmo perfil. Mulheres jovens, bonitas, com o rosto de meninas. Sem antecedentes, sem histórico de uso de drogas, de famílias estruturadas e normais. E, o mais importante, sem nenhuma ligação entre si ou seus parentes. Um beco sem saída total.

Pelo próprio estado dos cadáveres, éramos levados a crer que se tratava de um “Serial Killer”. Mais um maluco querendo aparecer numa cidade de loucos. Mas algo estava diferente. Muitos desses doidos cometem erros e faz da cena do crime uma verdadeira orgia de provas. Mas esse cara não. Era metódico e limpo. Diria até que obsessivo. Tínhamos que apanhá-lo logo, antes que matasse mais. Todos estávamos empenhados no caso, policiais de várias delegacias e até de cidades diferentes uniram-se para achar o louco. Mas, apesar de todos os esforços, fracassamos.

Deprimido e meio bêbado, procurei uma das inúmeras igrejas perto do parquepara meditar. Sei lá, não era muito religioso nem acreditava em Deus. Quando se vive no meio em que vivo e se vê o que vejo todo dia, tem-se a certeza que Deus não pode existir.

Já era bem tarde, passavam das três da manhã, e a igreja da matriz estava vazia. As portas destrancadas davam livre acesso aos pobres e mendigos do local para que se protegessem do relento. Era estranho estar vazia naquele dia.

Sentei-me bem lá atrás. Sabia que não devia ter bebido tanto, mas aquele caso me tirava do sério. Nenhuma pista; nenhuma denúncia; nada. Isso não era bom. Logo outra menina seria assassinada e nós veríamos novamente aquelas cenas revoltantes.

Estava perdido em meus pensamentos alcoólicos, quando percebi um barulho vindo da sacristia da igreja. Era mais como um murmúrio repetido, uma oração. Aproximei-me cambaleante, e dei uma expiada pela fresta da porta. Não via nada, mas os murmúrios agora eram sons perfeitamente audíveis. Porém, não conseguia entender nada. Entrei na sacristia e percebi, no fundo do cômodo, uma escada que levava a um subterrâneo; talvez um porão ou coisa que o valha.

Silenciosamente desci as escadas e esperava, zombeteiramente, dar um flagrante no padre. Provavelmente fazia uma orgia com as beatas. Quase me denunciei soltando uma gargalhada, mas consegui me conter.

Cheguei ao fim da escada e empurrei devagarzinho a pesada porta. Não era bem um quartinho; era mais um salão enorme; alto, com colunas adornadas estranhamente que seguravam o teto acima de nós. Continuei caminhando, seguindo os murmúrios e gemidos e o bruxulear das luzes. Quando pude ver o que faziam fiquei estarrecido. Era uma festa.

Vários homens agrupavam-se ao redor de um altar, onde mulheres lindíssimas e completamente nuas dançavam e tocavam-se intimamente. A música era o cântico que eu escutara. Era recitada pelos homens num ritmo hipnótico e constante. As mulheres deliravam de gozo sobre o altar e um dos homens aproximava-se delas e derramava sobre seus corpos suados uma mistura estranha parecida com um óleo denso.

Num ápice orgástico, os corpos nus tremeram e se retesaram como se fossem quebrar. Gritos de prazer explodiram de suas bocas como se fossem os sons de trombetas anunciando o paraíso. Ficaram sobre o altar imóveis por um momento, e depois caíram num sono profundo e narcótico.

Neste momento, um dos homens, destacou-se do círculo e empunhando uma faca, desferiu um golpe certeiro no pescoço de uma das mulheres. O sangue jorrou com força sobre as mãos do homem, enquanto os outros se apressavam em banharem-se nele. Assim foi feito com cada uma delas. Sujos e saciados, os homens voltaram-se para o que segurava a faca; na hora pude entender que era seu líder. Ele, com destreza de cirurgião gravou a enorme faca no peito das jovens e arrancou seus corações; colocando-os sobre o altar, elevou-os sobre as cabeças dos que assistiam o ritual e dizendo aquelas palavras que eu não entendia, serviu-os a eles.

O cheiro de sangue dominava a atmosfera e me dava náusea. Aqueles homens malditos eram os responsáveis pelas mortes das jovens. Tonto e enjoado, vomitei me preocupando em não fazer barulho, enquanto eles comiam os corações e entoavam seus cânticos infernais.

Que tribo dos infernos era aquela? E como eles haviam invadido a igreja? Será que o pároco estava bem? Ou já estaria morto? As perguntas, o fedor insuportável e a adrenalina, já haviam me trazido de volta da bebedeira. Procurava respostas, quando o homem com a faca gritou mais algumas palavras naquela língua estranha e, num movimento rápido, descobriu sua cabeça.

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